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ROGAI POR NÓS, ESTUDANTES



Pesquisa sobre aulas de religião no Brasil mostra que boa parte dos estados ignora a Lei de Diretrizes e Bases, que determina a disciplina como facultativa e limitada até a 8ª série. Em alguns locais, a matéria é oferecida no ensino médio e infantil.


Ponto polêmico de um acordo* assinado entre o Brasil e o Vaticano, atualmente sob análise do Congresso Nacional, o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras é uma espécie de caixa-preta. É a única disciplina que não se submete a orientações do Ministério da Educação (MEC). O conteúdo da matéria bem como os critérios de contratação dos professores ficam a cargo dos governos estaduais, que muitas vezes ignoram regras estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).Uma delas, que descreve a disciplina como facultativa e, portanto, fora da carga obrigatória anual do ensino fundamental, de 800 horas, é atropelada por oito estados. Do mesmo modo que em oito unidades da Federação, a matéria foi estendida ao ensino médio, enquanto a LDB e a própria Constituição Federal só mencionam a oferta das aulas até a 8ª série.




Os dados e conclusões são parte de um estudo inédito, obtido com exclusividade pelo Correio, denominado Ensino religioso: qual o pluralismo?. Financiado pela Universidade de Brasília (UnB) e pela Comissão de Cidadania e Reprodução, uma entidade sem fins lucrativos, o levantamento conseguiu traçar, por meio de consulta a legislações e entrevistas com as secretarias de educação, um retrato do ensino de religião no país. "Na medida do possível, esse é o mapa nacional. Convém observar que, apenas analisando as normais legais de cada estado e considerando as informações que nos foram passadas oficialmente, encontramos incongruências graves na condução dessa disciplina nas escolas. Porém, sobre o que se passa verdadeiramente dentro das salas de aula, ninguém tem controle", afirma a antropóloga Debora Diniz, coordenadora do estudo.


Pregação

Um ponto-chave de toda a controvérsia que envolve o ensino religioso - de oferta obrigatória nas escolas públicas de ensino fundamental, mas matrícula facultativa por parte do aluno - é o risco de proselitismo(2), vedado pela Constituição Federal. Embora o perigo exista dentro de qualquer sala de aula, em estados como o Rio de Janeiro e a Bahia, o problema é ainda mais delicado. Isso porque, nas duas unidades da Federação, a modalidade de ensino estabelecida, inclusive nos textos legais, é a confessional. "Não existe um impeditivo de adotar esse modelo, mas como temos de assegurar a diversidade religiosa, estabelecida em lei, como garantir aulas de todas as denominações? Se houver grupos de alunos de 10 confissões diferentes, haverá professores de todas elas?", questiona a doutora em filosofia Roseli Fischmann, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP).


Segundo Fischmann, a impossibilidade de garantir um ensino condizente com as denominações de fé de todos os alunos fere um princípio constitucional, segundo o qual ninguém será privado de direitos em virtude de religião. Uma saída das secretarias estaduais de educação para evitar a polêmica tem sido adotar o ensino religioso do ponto de vista histórico, filosófico, antropológico. "Por mais antiamericano que o indivíduo seja, ele não estuda quem foi Abraham Lincoln ou Martin Luther King na escola? Por que não conhecer também, sem entrar em religião A ou B, quem foi Jesus?", sugere Ibi Batista, vice-presidente do Conselho de Pastores Evangélicos do Distrito Federal.


Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Leão, por mais que as legislações, tanto federais quanto estaduais, e os próprios profissionais tentem garantir a pluralidade religiosa, tal pretensão é utopia. "Ainda que adequações sejam feitas, sempre haverá distorções, porque ninguém é totalmente neutro. Somos contra a oferta de ensino religioso nas escolas públicas, mesmo que de forma facultativa, porque entendemos que isso fere a laicidade do Estado", ressalta Leão.


Debora tem a mesma opinião. "Há um falso pressuposto de que as religiões falam da mesma coisa, o que é incorreto. A oferta de disciplina religiosa em instituições públicas ameaça a justiça religiosa", destaca. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que representa no país a Igreja Católica, instituição religiosa que a maioria dos brasileiros declara seguir, foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou.



* Acordo

Em novembro do ano passado, o Brasil assinou um acordo com o Vaticano, que é considerado, do ponto de vista jurídico, um Estado. O documento versa sobre itens que vão desde a imunidade fiscal ao ensino religioso nas escolas públicas. A matéria, controversa ainda, precisa passar pelo crivo do Congresso Nacional, para depois ser ratificada pelo presidente da República.




STF decide polêmica

O estudo Ensino religioso: qual o pluralismo? será entregue ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), na forma de um memorial. O objetivo será dar subsídios ao magistrado numa ação direta de inconstitucionalidade da qual ele é relator sobre ensino religioso nas escolas. Ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) contra o Rio de Janeiro, a ação questiona a Lei Estadual nº 3.459/2000, que instituiu as aulas na forma confessional - ministrada de acordo com o credo professado pelo aluno por professores que, além de concurso público, passarem pela chancela de autoridades religiosas.


Entre outros pontos, a CNTE argumenta, na ação, que a lei fluminense fere o parágrafo 1º do artigo 19 da Constituição Federal. Tal dispositivo proíbe que o governo federal e os estaduais mantenham relações de dependência ou aliança com cultos religiosos. O processo menciona, ainda, um eventual desrespeito ao artigo 5º, no que se refere à privação de direitos por motivos de crença religiosa. Procurada, a Secretaria de Educação do Rio de Janeiro não atendeu a reportagem.

Fonte: Correio Braziliense, 12/7/2009

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