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Especialista defende sistema de avaliação participativo para educação infantil





O crescente debate sobre a educação infantil no país tem revelado que, para além do aumento do número de vagas nas creches, existe uma discussão a ser feita sobre a qualidade do ensino oferecido para essa faixa etária.

Recentes pesquisas demonstram que, apesar de terem melhorado a infraestrutura e a parte pedagógica, as creches e pré-escolas do Brasil ainda oferecem poucos estímulos ao cotidiano das crianças.
“As rotinas de alimentação, sono e as transições tomam muito tempo, há longos períodos de espera e ociosidade e são desenvolvidas atividades muito pouco variadas com as crianças”, afirma a especialista em educação infantil, Maria M. Malta Campos.
Em entrevista ao Portal Aprendiz, a também professora do programa de pós-graduação em Educação da PUC-SP, presidente da ONG Ação Educativa e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas defendeu o cumprimento das diretrizes nacionais curriculares e um sistema de avaliação participativo para a educação infantil.
“Não podemos ficar dois ou três anos esperando para constatar que as crianças aprenderam muito pouco, como acontece hoje com os sistemas centralizados de avaliação. São necessários procedimentos que incidam no processo, ao longo do percurso das crianças”, ressalta.
Como a senhora analisa a passagem da educação infantil dos campos da assistência social e bem-estar para o campo da educação no Brasil? Qual foi o papel da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nesse processo?
Na realidade, a LDB apenas legitimou na lei o que diversos grupos já preconizavam. Havia se formado um relativo consenso de que a cobertura e a qualidade do atendimento nas creches poderiam ser melhoradas com a passagem para a educação (a pré-escola sempre esteve na educação). Acho que ganhamos muita coisa – formação melhor dos professores, mais atenção para a parte pedagógica, melhor planejamento das redes, melhores condições de infraestrutura. Mas também perdemos algumas coisas: maior experiência da área de bem-estar social em trabalhar com as comunidades e as famílias, menos consideração por parte da área educacional para a necessidade de integrar melhor os serviços de saúde e educação, por exemplo.
A que se atribui o debate crescente sobre a educação infantil no Brasil e no mundo?
Desde pelo menos a década de 1960, periodicamente, a atenção se volta para a educação da criança pequena. O reconhecimento de que essa fase é muito importante no desenvolvimento cognitivo da criança já existe faz tempo, mas parece que a permanência dos problemas de fracasso escolar no ensino fundamental faz com que se apele para a educação infantil no sentido de dar melhores condições às crianças para alcançarem bons resultados nesse início do ensino fundamental.
Acho que esse reconhecimento da educação infantil é importante, mas é sempre bom lembrar que ela não existe só para preparar as crianças para o futuro: as crianças precisam viver bem sua infância, no presente, ter oportunidades de conviver com outras crianças em espaços coletivos e se desenvolver de forma integrada e as famílias precisam de apoio para educar seus filhos, pois a educação das novas gerações não é só uma responsabilidade individual das famílias, mas é também uma responsabilidade da sociedade como um todo.
Como a senhora avalia a aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), nos currículos das creches e pré-escolas brasileiras?
Bem, eu não tenho dados sistemáticos e abrangentes sobre isso, mas as informações de que disponho revelam que esse documento é pouco divulgado, pouco conhecido e pouco utilizado nas escolas e creches. Legalmente ele é mandatório, ou seja, precisa ser seguido. Acho que é um bom documento, contém diretrizes importantes, mas para ser colocado em prática, ele precisa ser traduzido, na escala municipal e nas unidades, por currículos e projetos pedagógicos que contenham orientações mais práticas e detalhadas, mas também flexíveis, de forma que os professores possam ao mesmo tempo saber onde precisam chegar com as crianças, mas possam adaptar as orientações para a realidade de suas creches e escolas e de suas crianças.
Qual o diagnóstico atual em relação à formação dos professores que atuam na educação infantil? A temática vem sendo abordada pelos cursos de pedagogia do país de maneira satisfatória?
Infelizmente, a forma como está organizada a formação dos professores no país deixa muito pouco espaço para as especificidades da educação infantil, em especial para a creche e as crianças menores. Como mostrou uma pesquisa coordenada pela professora Bernardete Gatti, os currículos dos cursos de pedagogia reservam uma proporção muito pequena de sua programação para a educação infantil: cerca de 5% em média. Alguns cursos têm tentado se reformular, incluindo estágios em creches – coisa que a maioria não proporciona – e incluindo conteúdos sobre a educação infantil. Mas tudo isso é ainda muito insuficiente.
Seria preciso que houvesse uma mudança na estrutura desses cursos, talvez com a introdução de módulos, permitindo que os professores se especializassem conforme o perfil de alunos com que vão trabalhar. Hoje eles se formam podendo trabalhar com: creche, pré-escola, primeiros anos do fundamental, educação de jovens e adultos, educação especial etc. É muito difícil uma única formação inicial dar conta de realidades tão diferentes. Por outro lado, o recrutamento de professores nas secretarias de educação também segue o mesmo modelo: muitos concursos não distinguem a etapa educacional em que o professor pode atuar dentro de uma rede. Os concursos de acesso e remoção não exigem, na maioria dos casos, uma adaptação ou uma formação complementar, por exemplo, de alguém que sai da educação de jovens e adultos e vai para uma creche!
Todas as etapas da educação brasileira possuem indicadores e uma série de avaliações para medir a qualidade do ensino.  Por que isso não ocorre com a educação infantil?
Na realidade, está começando a acontecer. Foi elaborado o documento Indicadores de Qualidade para a Educação Infantil”, numa parceria do MEC com a Ação Educativa, o Unicef, a Undime e a Fundação Orsa. Atualmente está em andamento uma pesquisa de avaliação sobre o uso desse material. Ele propõe uma avaliação participativa que inclua a equipe da creche ou escola, os pais e os gestores da unidade, contendo uma relação de tópicos que devem ser avaliados. É um começo. Mas eu vejo que as equipes técnicas das secretarias também necessitam de orientações e documentos que as ajudem a montar um bom sistema de supervisão pedagógica, para orientar as unidades no processo. Não podemos ficar dois ou três anos esperando para constatar que as crianças aprenderam muito pouco, como acontece hoje com os sistemas centralizados de avaliação. São necessários procedimentos que incidam no processo, ao longo do percurso das crianças. No caso da educação infantil no Brasil, tudo isso ainda precisa ser amadurecido, debatido e testado.
O que deveria ser levado em conta, caso o Brasil resolvesse adotar um sistema de avaliações para o ensino oferecido para essa faixa etária da população?
Acho que precisamos começar pela avaliação das condições de funcionamento das unidades em que as crianças estão matriculadas (o que inclui as práticas educativas adotadas no cotidiano). Não faz sentido avaliar as crianças individualmente, se não estão lhes sendo oferecidas mínimas condições de um desenvolvimento pleno e equilibrado. Por outro lado, seria perigoso impor, nessa faixa etária, toda a pressão que sempre acompanha as avaliações que se baseiam em testes individuais de conhecimento realizados em massa. Não acredito que esse tipo de avaliação seja apropriado para essa faixa etária de 0 a 5 anos de idade. Corremos o risco real de termos brevemente altas taxas de repetência nos últimos anos da pré-escola, como já temos, infelizmente, no início do ensino fundamental. Isso seria um enorme retrocesso.
A senhora concorda com o recente parecer do Conselho Nacional de Educação que orienta as creches a não oferecer atendimento durante as férias? Qual é o significado dessa medida, caso seja adotada pelos municípios, para todos os envolvidos (professores, alunos e famílias)?
Veja, nesse debate sobre as férias, seria desejável considerar as necessidades das diversas partes envolvidas: pais, crianças, professores, administradores. E acontece que muitas vezes essas necessidades são conflitantes. Se as normas de funcionamento das unidades permitissem maior autonomia e flexibilidade, diferentes encaminhamentos seriam possíveis: a maioria das crianças pode ficar em casa com suas famílias durante um período? Ótimo, as famílias – irmãos, pais, amigos – precisam conviver com as crianças pequenas mais intensamente de vez em quando. Um pequeno grupo de crianças realmente não conta com essa oportunidade – pertencem a famílias uniparentais, seus pais não tem direito a férias, ou enfrentam problemas de saúde?  Então as creches podem se organizar para atender esse pequeno grupo de alguma maneira: realizando um rodízio de férias com as professoras, centralizando um grupo maior de crianças em alguma unidade próxima, enquanto as demais realizam manutenção dos prédios ou alguma reforma. Mas como as redes de escolas e creches em nosso país costumam ser regidas por regras muito rígidas e iguais para todos, caímos nessa situação de ou ter férias para todos ou não ter para ninguém.
Espero que no futuro, as redes possam criar mecanismos para acolher melhor as necessidades das famílias, que os bairros de moradia contem com outros recursos para receber as crianças nas férias (parques, clubes, centros de lazer) e, por seu lado, que a maioria das famílias tenha melhores condições de vida, e em seus empregos, organizando-se para conviver com suas crianças durante as férias escolares. Nesse particular, é bom lembrar que as professoras também são mães e também precisam conviver com seus filhos em algum momento do ano!
O que seria uma abordagem “ideal” na educação de crianças de 0 a 5 anos? Existe um modelo a ser espelhado pelo Brasil?
Vivemos numa sociedade plural e muito diversa, então acho difícil pensar em um só modelo ou ideal. Qualquer que seja o modelo, ele precisa respeitar os princípios básicos e os valores consagrados em nossa Constituição: liberdade, responsabilidade social, tolerância, justiça, separação entre estado e religião etc. Não podemos ter escolas que preguem o ódio a outros grupos sociais ou a intolerância religiosa. Por outro lado, temos uma lei que rege a educação nacional, a LDB. Temos documentos nacionais de orientação curricular que precisam ser levados em conta. Dentro dessas referências, existe uma liberdade na escolha de métodos, de percursos, de práticas. Mas também é preciso considerar que a ciência já avançou muito no conhecimento sobre o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social da criança pequena. Não podemos partir do zero. Levando tudo isso em consideração, existem modelos ou linhas de trabalho pedagógico diferentes: há aqueles que seguem uma linha construtivista, há os que se inspiram na experiência das escolas do norte da Itália, há os que se apoiam em currículos como o High Scope, há os que seguem a pedagogia Waldorf, ou a filosofia de Freinet, os caminhos são múltiplos.
O que é preciso é, que qualquer que seja o caminho, os direitos humanos básicos das crianças e de suas famílias sejam respeitados e o direito da criança se desenvolver plenamente e aprender seja garantido.
Qual o papel da família nessa etapa educacional dos filhos?
Quanto menor a criança, mais dependente do adulto ela é. A família e a creche precisam trabalhar em conjunto, mantendo uma boa comunicação no processo, para garantir proteção e apoio à criança. Os pais precisam conhecer o trabalho que é realizado na creche e a creche precisa conhecer melhor as famílias. Infelizmente nem sempre as coisas são assim. Há muito preconceito, entre os professores, em relação à família pobre e há muita desconfiança das famílias em relação a uma instituição que não é bem conhecida delas. Qualquer machucadinho que a criança tenha – o que é perfeitamente normal na infância – leva a conflitos na porta da escola ou da creche. Ainda precisamos melhorar muito essa relação.
O que a senhora destacaria da recente pesquisa realizada por sua equipe em 150 instituições de educação infantil de seis capitais brasileiras?
Bem, essa pesquisa levantou uma quantidade de informações muito grande e seria impraticável resumir tudo aqui. Mas o que mais marcou foi a constatação de que, na média, as crianças vivem um cotidiano muito carente de estímulos e de atividades interessantes, nas salas de creche e pré-escola onde passam longas horas por dia. As rotinas de alimentação, sono e as transições tomam muito tempo, há longos períodos de espera e ociosidade e são desenvolvidas atividades muito pouco variadas com as crianças. Por exemplo, quase não são contempladas experiências que cubram conhecimentos sobre a natureza, sobre a diversidade cultural, sobre música; existem poucas oportunidades de jogo simbólico, de brincadeiras livres, de atividades em pequenos grupos; as crianças em idade de creche quase não têm contato com livrinhos infantis de figuras e de estórias; cuidados básicos de higiene e de saúde, como lavar as mãos, não são praticados. Encontramos instituições muito boas, mas na média os resultados não foram bons, o que indica que há muito a ser feito para que a qualidade em geral seja aprimorada.

Fonte: Portal Aprendiz
 Com informações do Blog Educação

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