Educação de surdos em escolas tradicionais ainda é desafio no Brasil
Políticas de inclusão têm tentado corrigir questões históricas no ensino de surdos no Brasil. Excluídos durante muito tempo do processo educativo tradicional, eles começaram, nos últimos anos, a compartilhar as salas com ouvintes em algumas escolas do País. Contudo, a existência de classes mistas, vista como alternativa para integrar crianças e jovens surdos à comunidade, nem sempre funciona. Há relatos negativos, de alunos desmotivados, com dificuldade de aprendizagem e inseridos em ambientes sem infraestrutura adequada.
No Dia Nacional da Educação de Surdos, o Terra ouviu relatos que reforçam esse cenário.
Mãe de uma deficiente auditiva, Hozana Rios Dias acredita que os alunos surdos não deveriam dividir atenções com colegas ouvintes. Na classe de sua filha Inara, de 19 anos, há outros três surdos. "Ela não consegue acompanhar. Mesmo com intérprete, tem dificuldade em compreender a matéria, pois seu ritmo é diferente do das outras crianças", diz. A jovem frequenta a Escola Municipal Marília Carneiro, em Goiânia, desde os três anos, quando estudava em uma sala só para crianças surdas. Dois anos depois, foi para a aula tradicional. Hoje, no 8º ano, Hozana defende o retorno de classes especiais para surdos e planeja matricular a filha no Centro Especial Elyisio Campos, escola mantida pela Associação de Surdos de Goiânia, que trabalha a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
A psicopedagoga Eloisa Lima faz coro à opinião da mãe de Inara. Mestre em neurolinguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela firma que, quando se trata de aprendizagem, a surdez é a mais complexa entre as deficiências. "O surdo acaba não desenvolvendo também a fala, porque ele não ouve e perde essa base. Isso não acontece com o cego, por exemplo". A especialista explica que deficientes auditivos precisam ser estimulados por outros sentidos, como a visão e o tato. "Se a professora dá uma aula expositiva sem mostrar objetos e componentes do conteúdo, é prejudicial para o aluno ouvinte. Para o surdo é muitas vezes pior", garante.
Para Hozana, o ambiente de uma sala apenas para surdos é melhor. "Se a professora explica a matéria e ela não entende, os colegas surdos podem ajudar. Minha filha gosta muito de estudar e é bastante sociável, mas tem dificuldades em uma turma mista", afirma. Hozana acredita que a presença de um intérprete em sala de aula não é suficiente para dar conta das necessidades dos alunos. Além da cooperação entre colegas, Eloisa destaca a necessidade de a postura em uma sala de aula mista ser diferente. "A criança surda fica nervosa com excesso de movimento, luminosidade, pessoas falando sem ser em linguagem de sinais. Isso desorganiza a cabeça deles. Para aprender, precisam de foco, e esse não é o lugar apropriado", diz.
"Envolver é melhor do que segregar", diz especialista
Para a professora Valéria Cavetta, uma das coordenadoras do projeto Libras na Ciência, da Universidade de São Paulo (USP), separar ouvintes de surdos não é a melhor alternativa para estimular a aprendizagem. "Não sou partidária da separação no contexto da educação formal nem em qualquer outro. É interessante invertermos a problemática. Precisamos nos inserir na cultura dos surdos para compreender não somente o processo de socialização deles, mas também a Libras, como se dá a comunicação e, finalmente, a aprendizagem entre surdos e entre surdos e ouvintes. Acredito que temos mais a ganhar por meio de um trabalho que envolva surdos e ouvintes do que aquele que os segregue", diz.
Para a professora Valéria Cavetta, uma das coordenadoras do projeto Libras na Ciência, da Universidade de São Paulo (USP), separar ouvintes de surdos não é a melhor alternativa para estimular a aprendizagem. "Não sou partidária da separação no contexto da educação formal nem em qualquer outro. É interessante invertermos a problemática. Precisamos nos inserir na cultura dos surdos para compreender não somente o processo de socialização deles, mas também a Libras, como se dá a comunicação e, finalmente, a aprendizagem entre surdos e entre surdos e ouvintes. Acredito que temos mais a ganhar por meio de um trabalho que envolva surdos e ouvintes do que aquele que os segregue", diz.
Valéria enfatiza, no entanto, que a inclusão de surdos na escola comum demanda a elaboração de meios que estimulem a participação e aprendizagem desses alunos. Além do ensino regular, a professora explica que os deficientes auditivos devem ter acesso ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), um período adicional de horas de estudo. Além de momentos em que os conteúdos são ministrados em Libras, preferencialmente por um professor surdo, o AEE trabalha o ensino da língua específica e de Português, em aulas especiais para alunos com deficiência auditiva.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em 2010, 71.283 alunos deficientes auditivos, surdos e portadores de surdez e cegueira estiveram matriculados na educação básica, tanto em classes regulares quanto em escolas ou turmas de ensino especializado. Até 2015, todos os cursos de licenciatura e pedagogia brasileiros deverão contratar um profissional de Libras. O objetivo é auxiliar na formação dos futuros professores da educação básica.
- Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
- Com informações do Blog do Professor Ivanilson
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