Breve chega o dia que o seu bebê começa andar, falar e entender o mundo. Porém, será que existe idade certa para aprender a ler e escrever? O novo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou em fevereiro que em breve será lançado o programa "Alfabetização na Idade Certa", com monitores para acompanhar as escolas, formação continuada de professores no processo de preparação para alfabetização e até bônus em dinheiro para as instituições da rede pública que atingirem metas de alfabetização de crianças com idade até oito anos.
Segundo o ministro, é muito mais barato aprimorar as condições para as escolas alfabetizarem na idade certa do que tentar recuperar os alunos que não aprenderam a ler ou escrever. Especialistas, porém, afirmam que aprender a ler e a escrever não tem, necessariamente, a ver com a idade.
O aprendizado mais lento ou mais rápido está relacionado, na maioria dos casos, com a história familiar das crianças e com o contexto socio-histórico em que vivem. A professora Maria do Rosário Longo Mortatti, livre-docente em Metodologia da Alfabetização, professora titular da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Campus de Marília) e presidente da Comissão Provisória para a criação da Sociedade Brasileira de Alfabetização, diz que a denominação do novo programa pode ser adequada no sentido de despertar a atenção para a necessidade de enfrentarmos os graves problemas atuais da alfabetização de crianças no Brasil, mas questiona se há um idade certa para que uma criança, um jovem ou um adulto se sintam "chamados" por si mesmos, para aprender a ler e escrever, buscando satisfazer necessidades humanas de conhecimento, informação e fantasia.
Professora Maria do Rosário Longo Mortatti
(Foto: Divulgação)
"Estudos científicos já concluíram que o aprendizado inicial da leitura e da escrita não tem relação direta com quociente de inteligência (QI), ou com faixa etária, ou idade escolar, ou processo de escolarização. Nem se reduz ao aprendizado da técnica da escrita. Concluíram, também, que o aprendizado da leitura e da escrita depende, sobretudo, das condições sócio-históricas nas quais o sujeito está imerso. Crianças que vivem em ambiente letrado compreendem a importância das atividades humanas de ler e escrever de forma diferente daquelas que vivem em ambientes onde essas atividades não fazem parte, de fato, da vida das pessoas. Esses aspectos interferem também no processo de ensino e aprendizagem. Para muitas crianças brasileiras, aprender a ler e a escrever talvez signifique mais uma obrigação, uma imposição ou um sofrimento do que uma conquista prazerosa e emancipatória. Mas a escola, por razões políticas e econômicas, não pode esperar pelo tempo de que cada criança possa precisar para superar dificuldades como essas. Realmente, é caro para o Estado e para as famílias manter os alunos na escola, sem o sucesso esperado e no tempo previsto.” ressalta a professora.
De acordo com a professora Margareth Brainer, mestre em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutoranda na Faculdade de Educação da UFRJ, sete anos é a idade convencionada no Brasil e em outros países para que a criança já tenha aprendido a ler e escrever textos curtos. Todo o esforço nos primeiros anos de alfabetização é feito para que nessa idade os pequenos já tenham desenvolvido as habilidades básicas. Mas, saindo da convenção e partindo para a realidade, nem sempre é isso o que acontece.
Professora Margareth Brainer (Foto: Divulgação)
“Existem diretrizes definidas pelo Governo Federal, a partir das quais são elaboradas as propostas curriculares das secretarias de Educação. As diretrizes são da década de 90, mas costumam ser atualizadas e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) dá autonomia para que as escolas estabeleçam suas normas. Em relação a documentos nesse sentido, estamos bem servidos. O problema é que o rendimento dos alunos está longe do esperado. O que notamos é que nas boas escolas particulares, o rendimento na leitura e na escrita é melhor. Ou seja, isso está vinculado à realidade socioeconômica do aluno. Se a criança não vem de uma cultura letrada, se não tem acesso a livros em casa, a escola precisa dar esse suporte, investindo diariamente em atividades de leitura e escrita”, ressalta a professora.
Maria do Rosário aponta, ainda, o perigo da proliferação e banalização dos diagnósticos das crianças com dificuldades para aprender a ler e escrever, que podem confundir com patologias os diferentes tempos de que cada criança necessita para esse aprendizado.
“Se existem tantas iniciativas e tantos programas para melhorar a qualidade da educação e da alfabetização no Brasil e, mesmo assim, tantos problemas persistem, corre-se o risco de transferir, indevidamente, para as crianças a responsabilidade por seu ‘fracasso’. Considerando a quantidade de crianças brasileiras com dificuldades na alfabetização, tratar generalizadamente essas dificuldades como patologias induz a conclusões no mínimo inquietantes, tal como a de que o Brasil é um país doente. Ora, a criança que não sabe ler ou escrever nos anos iniciais do ensino fundamental não é analfabeta nem doente, necessariamente. Ela só não aprendeu, ainda. Está na escola por esse motivo e espera que o professor lhe ensine. É preciso levar em consideração, principalmente, o tempo do desejo de aprender a ler e do sentido que as crianças podem aprender a atribuir a essas atividades humanas. Penso que questões centrais como essas ainda não foram devida e corajosamente abordadas nos debates e nas políticas públicas de alfabetização no Brasil”, completa.
Márcia Campos, da Secretaria de Educação
do Ceará (Foto: Divulgação)
O projeto de incentivo à alfabetização que o MEC deve lançar em breve tem um precursor no Ceará. Desde 2007, o Governo do Estado, em parceria com os municípios locais, desenvolve o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC). A ideia surgiu a partir de uma pesquisa realizada em 2004 pela Assembleia Legislativa, com o objetivo de descobrir se as crianças estavam alfabetizadas. Cerca de 8000 estudantes foram avaliadas em 40 municípios e o resultado foi negativo: somente 15% dos alunos sabia ler e compreender, e só 3% conseguia ler, compreender e escrever pequenos textos. De acordo com Márcia Campos, coordenadora de Cooperação com os Municípios da Secretaria da Educação do Ceará, a partir dos dados analisados foi montada uma força-tarefa para tentar reverter o panorama negativo, e o esforço deu certo.
“Começamos a realizar encontros para discutir gestão escolar e acompanhar de perto o desempenho das crianças. Investimos também em formação continuada para os professores e distribuímos material pedagógico para as escolas. As iniciativas deram resultado: atualmente, 81% de nossas crianças têm níveis suficientes de alfabetismo. Isso mostra que é possível obter grandes transformações na educação em pouco tempo. A experiência é inspiradora, tanto que o MEC vai lançar o programa em nível nacional, o que é gratificante para nós”, ressalta a coordenadora.
Globo Educação